quarta-feira, 25 de junho de 2008

O bebé Vasco já teve uma televisão no tecto do quarto

São cada vez mais as crianças que têm televisão no quarto. Convivem desde muito cedo com o ecrã ligado. Os pais enumeram vantagens, os especialistas não gostam nada da ideia e repetem alertas. É sobretudo quando os mais novos são deixados sozinhos que a televisão tem tudo para se tornar "perigosa"
Quando os pais souberam que Vasco ia nascer, pintaram o quarto de azul, compraram móveis que vão crescer com o filho e instalaram no tecto um ecrã de plasma. O bebé nasceu em Maio do ano passado e aos seis meses mudou-se para o quarto novo, mesmo em frente ao dos pais. "Quando acorda e começa a choramingar, nós ligamos a televisão e ele fica entretido. E não precisamos de nos levantar da cama", explica Marta, a mãe, de 33 anos, engenheira.
Agora a televisão já não está por cima do berço, presa no tecto, mas mesmo em frente à cama. É apenas por não ter idade que Vasco, de 11 meses, ainda não faz oficialmente parte dos 60 por cento de crianças e jovens portugueses que se sabe terem aparelho no quarto - o estudo E-Generation: Os Usos de Media pelas Crianças e Jovens em Portugal, cujos resultados foram recentemente divulgados, teve como objecto os miúdos entre os oito e os 18 anos.
Esse enorme grupo quantificado por investigadores do Instituto Superior das Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE), de Lisboa, pode ser muito maior se também forem tidos em conta os bebés e as crianças em idade pré-escolar que já têm televisão no quarto (além da consola de jogos e do computador), lembra Sara Pereira, investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho que publicou recentemente o estudo Por detrás do ecrã: televisão para crianças em Portugal.
Para Sara Pereira, é por quererem agradar às crianças e por ser "cómodo" que os pais fazem tanta questão de dar a televisão aos filhos. A mãe de Vasco admite haver "algum comodismo" na sua opção: "Sempre que ele está mais rabugento, mais impaciente, ligamos a televisão porque o acalma." Foi por ouvir as amigas a queixar-se de que acordavam muito cedo por causa dos filhos que Marta e o marido pensaram no plasma para o quarto do filho, confessa. Mas não foi só por isso: a decisão surgiu também porque há programas que ajudam o bebé a desenvolver-se, justifica.
Também os pais de Mafalda, de ano e meio, recorrem à televisão para resolver um problema: as birras à hora das refeições, admitem João e Sofia, de 29 anos. Quando a família vai passar um fim-de-semana fora, leva o computador portátil para passar os DVD às refeições. Atenta, Mafalda vai abrindo a boca enquanto vê o Ruca e os amigos no pequeno ecrã do computador. "Às vezes fica tão contente que até bate palmas. Interage muito com aquilo que vê", garante o pai, professor do 1.º ciclo. Pai e mãe já combinaram comprar uma televisão para o quarto da filha, para lhe oferecer no Natal. "Há uma que fica mesmo bem no quarto! É cor-de-rosa e com motivos das Princesas [da Disney]!", conta Sofia, vendedora.
Mais desenvolvidos
Os pais Marta, João e Sofia (pediram todos para ser identificados apenas pelo nome próprio) acreditam que a televisão estimula as capacidades cognitivas dos filhos e não concordam que a televisão possa fazer mal aos mais pequenos. "O Vasco sabe algumas canções que aprendeu com os DVD", conta a mãe. Mafalda "é muito despachada para a idade", confirma o pai, que atribui parte deste desenvolvimento ao que a filha vê no pequeno ecrã. "Tenho essa experiência da escola. Hoje em dia os miúdos são muito mais desenvolvidos, sabem imensa coisa porque vêem na televisão", diz.
Há no entanto estudos que alertam exactamente para o contrário. Um exemplo: as crianças de grupos sociais menos favorecidos, expostas à televisão e ao vídeo desde muito pequenas, tendem a ter poucas interacções verbais com as mães, revela uma investigação da Escola de Medicina da Universidade de Nova Iorque, conhecida no mês passado. Mesmo quando os programas são educativos, as conversas entre mãe e bebé são limitadas (embora sejam maiores do que as que acompanham outro tipo de programas).
O problema, revela o mesmo estudo, é que, quando se trata de programas educativos, a tendência é para que as crianças não estejam acompanhadas enquanto os vêem. "A nossa preocupação é que os pais olham para esses programas como uma justificação para deixar os filhos sozinhos à frente do televisor, em vez de também verem e interagirem com eles", explica Alan L. Mendelsohn, co-autor do estudo, citado pelo Archives of Pedriatrics and Adolescent Medicine.
"A televisão é a baby-sitter sem emoção, sem afecto, sem colo", define Rizério Salgado, médico de clínica geral da Unidade de Saúde de S. Julião, Oeiras. Este centro de saúde promove reuniões de aconselhamento parental. O médico de família esclarece que não é contra a televisão, não concorda é que seja vista sem a companhia de um adulto. "A televisão não faz mal, mas precisa de ser explicada, é preciso que os pais dêem nome às coisas. Pode tornar-se perigosa se não houver interpretação", defende.
As conclusões do estudo de Mendelsohn vieram dar razão à Academia de Pediatria Americana, que recomenda aos pais que a televisão deve estar fora do alcance dos mais novos até aos dois anos de idade. "As nossas conclusões são significativas porque as interacções pais/filhos têm importantíssimas implicações no desenvolvimento da criança, bem como no seu futuro sucesso escolar", justifica Alan L. Mendelsohn.
Rizério Salgado explica que o córtex visual tem uma grande expansão e desenvolvimento até aos 10 meses de idade, mas o seu desenvolvimento precisa de "relação" para ser estimulado; ou seja, para se desenvolver, a criança precisa de estar com alguém com quem tenha uma relação de afecto e não sozinha à frente do ecrã. "A televisão não pode ser o parceiro dominante", diz o clínico geral.
Serge Tisseron, psiquiatra e psicanalista francês que se dedica a esta questão da relação das pessoas com as imagens, explica, num manual para pais cujos filhos vêem demasiada televisão (das Edições 70), que as imagens transmitem "cargas emocionais consideráveis" às crianças, mesmo nos programas que "lhes são oficialmente dedicados". O autor convida os pais a ver os desenhos animados transmitidos de manhã, aqueles que os pais acham que são adequados. Estes programas, continua Tisseron, "despertam a atenção pelo ritmo e pela cor".
No entanto, "para manterem a criança agarrada ao ecrã, mobilizam nela emoções extremamente intensas; ora isso provoca-lhes um estado de stress e de saturação emocional" logo pela manhã, explica o psiquiatra. Os irmãos Afonso e Ana, de nove e cinco anos, têm televisão não só nos quartos mas também no carro. A viagem de quase uma hora para atravessar a Ponte Vasco da Gama até chegar à escola, no centro de Lisboa, é feita com auscultadores na cabeça, a olhar para dois pequenos ecrãs de DVD, incrustados no apoio de cabeça dos bancos da frente, onde se sentam o pai e a mãe. "Não implicam, vão sossegados e não se apercebem do trânsito", são as vantagens enumeradas pelo pai, que os conduz diariamente. Viajam assim desde que a família trocou de carro, há ano e meio. Antes disso, "a viagem era terrível, eu vinha o caminho todo a gritar com eles para estarem quietos; agora andam mais calmos", continua Manuel, 42 anos, empresário.
Higiene do sono
Também aqui é fácil encontrar teses a defender exactamente o contrário. "Quando [a criança] chega à escola, não consegue estar em condições de aprendizagem", analisa Serge Tisseron. De acordo com um estudo publicado no final de 2007 no jornal Pediatrics, as crianças com menos de cinco anos que passam mais de duas horas por dia a ver televisão têm mais probabilidade de desenvolver problemas comportamentais. Tal como o trabalho de Mendelsohn, também este verificou que a interacção social era mais pobre entre as que passavam mais tempo à frente do ecrã.Manuel admite que os filhos são irrequietos e que "não é raro" ser chamado à escola por causa de problemas de comportamento, mas não os associa à televisão. "Eu quando era pequeno também era assim: terrível! Faz parte da idade", defende.Voltemos à televisão no quarto. Serve para "evitar conflitos, entreter a criança, os pais não necessitam de negociar com ela - o problema não é a televisão, mas a dinâmica familiar", avalia Sara Pereira. Ou seja, quando os miúdos têm televisão no quarto, ninguém precisa de negociar que programa ver e os mais novos podem "ver tudo o que lhes apetecer".E eles não vêem os programas "com que poderiam aprender alguma coisa", alerta ainda a investigadora, que na sua pesquisa observou que crianças até aos 10 anos dizem ver telenovelas, séries de investigação criminal como o CSI e desenhos animados para adultos como American Dad.
O médico Rizério Salgado lembra que a "higiene do sono é contra a televisão", ver televisão à noite "potencia as insónias". Além de problemas de sono, as muitas horas passadas em frente ao televisor podem causar obesidade, diabetes e miopia, aponta também a revista inglesa Biologist. A pesquisa, divulgada no ano passado, foi feita a partir de 35 estudos científicos anteriores que identificavam os efeitos negativos de ver televisão em demasia. "Permitir que as crianças vejam tanta televisão demonstra uma falta de responsabilidade dos pais", aponta sem rodeios Aric Sigman, director do estudo e membro do Instituto de Biologia do Reino Unido, citado pela imprensa espanhola.
Na Unidade de Saúde de S. Julião há reuniões de aconselhamento parental para cada etapa da vida da criança. Os pais recebem conselhos sobre, por exemplo, como ler com o bebé a partir dos seis meses, lembra Rizério Salgado. Sara Pereira não tem dúvidas de que a educação para os media tem de ser feita na escola, com as crianças, tal como se fez com a educação ambiental, justamente porque é muito difícil chegar aos pais. "Os adultos têm a televisão de tal maneira impregnada nas suas rotinas que temos de partir dos mais novos para chegar aos pais.


2 comentários:

Romy Maria disse...

Boa, pensava que era só eu que achava que a TV é a maior responsável pela educação das crianças.
Falta incluir que creches e infantários já usam a TV e consolas de jogos para não terem de aturar a criançada... afinal elas são pagas para que?

p disse...

Gostei muito do artigo e foi óptimo tê-lo colocado no blog. Um dos casos que mais me recorda e continua a impressionar era o de doi irmãos que foram criados pela TV porque era mais simples. Quando aos três anos entraram na creche ainda não falavam, não sabiam brincar nem interagiam com ninguém. Como descobriu um cientista japonês que escreveu o livro "Train your brain" a TV torna-nos mais burros porque não exercitamos quase nada do cérebro... e tudo quanto é de mais é moléstia!!!